OS QUATRO PRINCIPAIS INTERESSES DE JESUS


                                                                                         Pe. Frederico William Faber

                                 
I.                                                A gloria de seu Pai



Estudando o nosso divino Salvador, tal como nos é representado nos Santos Evangelhos, veremos que não há nada, se nos é permitido arriscar esta expressão, nada mais semelhante a uma paixão n’Ele dominante que o seu tão vivo, tão ardente desejo da gloria de seu Pai.
Desde o dia em que, na idade de doze anos, deixou Maria para ficar em Jerusalém, até à sua última palavra na Cruz, essa dedicação à glória de Deus sobressai em cada página do livro sagrado. Assim como d’ele se disse, n’uma ocasião, que o zelo da casa de Deus o devorava, assim nós podemos dizer que era devorado por uma fome e sede contínuas da gloria de seu Pai.
Era como se se houvesse perdido na terra a gloria de Deus, e ele houvesse vindo para a encontrar; e quão oprimido trouxe o coração enquanto a não encontrou! Foi este o exemplo que nos deu; e a sua intenção, dando-nos a graça, é que a empreguemos em glorificar seu Pai que está nos céus.
Agora, lançando a vista pelo mundo e em volta de nós, poderemos deixar de ver quanto a gloria de Deus está perdida na terra? O interesse de Jesus pede que a procuremos e que a encontremos. Sem falar d’esses escândalos públicos que dão os grandes pecadores, não será doloroso ver como Deus é esquecido, completamente esquecido pela maior parte dos homens?
Vivem como se Deus não existisse. Não se revoltam precisamente contra Ele, mas não pensam n’Ele, desconhecem-no, Deus é n’este mundo, que Ele fez por suas próprias mãos, como um objeto importuno. Foi posto de parte tão despreocupadamente como se faria a uma estátua antiga que houvesse tornado caricata.Os sábios e os homens de Estado estão de acordo neste ponto; a gente de negócios e os financeiros entenderam que era acertadíssimo nada dizerem a respeito de Deus, pois é difícil falar d’Ele ou mesmo ocupar n’Ele apenas o espirito, sem nos sentirmos dispostos o conceder-lhe demasiado.
Ali está um obstáculo terrível, e poderíamos dizer um obstáculo insuperável, se não fosse a graça de Deus, para os interesses de Jesus. Oh! Quanto nos dilacera o coração semelhante espetáculo, e nos faz suspirar por uma outra vida! Pois, que fazer em tão desesperada situação? Mas alguma coisa devemos tentar.
Quanto não poderão fazer os rosários devotamente rezados e as medalhas bentas? E não é infinito o poder d’uma só missa? Depois, confessamo-lo com as lágrimas nos olhos, há um grande número de pessoas com reputação de piedosas, que estão longe de dispensarem à gloria de Deus um quinhão suficientemente avultado: há muitas pessoas que manifestam devoção, e que aliás não lhe querem dar o primeiro lugar em todas as coisas.Teem necessidade de luz para melhor conhecerem a gloria de Deus; falta-lhes discernimento para descobrirem armadilhas do mundo e do demônio sob o véu da moderação e da prudência, por meio do qual estes dois inimigos de Deus se esforçam pelo privar da sua glória; não teem coragem para afrontar a opinião do mundo, e firmeza para pôr sempre a sua vida em harmonia com a sua crença. Pobre gente! E, sem o suspeitar, a própria peste da Igreja. Convém sem dúvida aos interesses de Jesus, que essas pessoas se vejam a si mesmas e a tudo que as rodeia, tais quais são.
Aqui encontramos, pois, mais uma obra a executar. Oremos por todas as pessoas virtuosas, principalmente por aquelas que trabalham para o ser, afim de que conheçam o que reverte em gloria de Deus, e o que lhe é oposto. Oh! Quantas perdas nos causa todos os dias esta falta de discernimento!
Depois, existem ordens religiosas que, cada uma de sua maneira e conforme o fim da sua instituição, vão trabalhando com a benção da Igreja, na gloria de Deus. Há bispos e padres que com uma singular perseverança e perfeição admirável dedicam os seus esforços a este único fim. Qual é também o alvo d’uma infinidade de associações e confrarias que existem, senão a glória de Deus?
Temos de sofrer males, afrontar perigos e suportar escândalos; a sorte da Igreja é curvar hoje a cabeça ante o mundo e nele reinar amanhã. Ora, em tudo isto tem Jesus os seus interesses, e é dever nosso tratar deles. Meia dúzia de homens que percorressem o mundo procurando somente a glória de Deus, poderiam transportar montanhas. E esta a promessa feita aos homens animados de fé viva. Por que não havemos de ser nós desses homens?


II.                                      O fruto da sua Paixão

Eis o segundo dos grandes interesses de Jesus. Sempre que possamos impedir que se cometa um pecado, por leve que seja, muito faremos pelos interesses de Jesus. Melhor poderemos apreciar a grandeza d’um tal serviço, se fizermos esta reflexão: ainda que pudéssemos fechar para sempre o inferno, salvar todas as almas que lá estão sofrendo, despovoar o purgatório, e converter todos os homens do mundo em outros tantos santos como os bem aventurados apóstolos Pedro e Paulo, dizendo as mais leve mentira que fosse, não a deveríamos dizer; pois a glória de Deus sofreria mais com essa pequena mentira do que lucraria com tudo o mais.Avaliai por isto quanto se faz pelos interesses de Jesus impedindo um pecado mortal! E todavia é isto tão fácil! Se todas as noites, antes de nos deitarmos, pedíssemos à Virgem Santa que oferecesse a Deus o precioso sangue de seu querido Filho, afim de impedir um pecado mortal que ameaçasse cometer-se em qualquer parte do mundo durante a noite; e se renovássemos o mesmo pedido todas as manhãs, para o mesmo fim durante as horas do dia, não há dúvida que semelhante oferta, apresentada por tais mãos, não poderia deixar de obter a graça desejada; e assim cada um de nós poderia provavelmente impedir setecentos e trinta pecados mortais em cada ano.
Suponhamos agora que mil d’entre nós querem fazer esta oferta e n’ela perseveram durante vinte anos; isto, que nenhum trabalho nos daria, seria bem meritório: teríamos impedido mais de quatorze milhões de pecados mortais. E se todos os membros da Confraria seguissem este exemplo, teríamos que multiplicar este número por dez. Ah! D’este modo, como os interesses de Jesus progrediriam no mundo, e que alegria, que felicidade nos não proporcionaríamos a nós mesmos!
Assim também, todas as vezes que possamos resolver alguém, que o necessite, a confessar-se, ainda que não tenha a acusar senão pecados veniais, aumentamos o fruto da Paixão do nosso Redentor. Cada ato de contrição que qualquer pessoa faça, a instancias nossas; cada oração que nós façamos com o fim de lhe alcançar esta graça, acrescenta os mesmos frutos. Cada nova austeridade, cada ligeira penitência que promovamos, dá o mesmo resultado. O mesmo aconteceria com os nossos esforços para fazermos apreciar a comunhão frequente.Quando pudermos conseguir que alguém tome parte nas nossas devoções à Paixão de Nosso Senhor, que a leia ou a medite, daremos impulso aos interesses de Jesus. Disse algum santo (e, se me não falha a memória, foi Alberto o Grande) que uma só lagrima vertida pelos sofrimentos do nosso doce Salvador era mais preciosa a seus olhos, que um ano inteiro de jejum a pão e agua. O que não seria, pois, se nós pudéssemos interessar os outros em juntarem as suas lagrimas às nossas, e unirem-se conosco no sentimento d’uma terna piedade pela Paixão de Jesus!
Oh! Quão grandes são os frutos d’uma simples oração! Suavíssimo Jesus! Porque somos nós tão insensíveis, tão frios? Acendei em nós esse fogo que viestes trazer à terra!



III.                                    A honra de sua Mãe


Aqui está outro dos principais interesses de Jesus, e toda a história da Igreja nos mostra quanto é apreciado pelo seu Sagrado Coração. Foi o seu amor por Maria que, mais que tudo, o fez descer dos céus, e foram os merecimentos de Maria que determinaram a época da santíssima e indivisível Trindade; era ela a filha predileta do Pai, a Mãe predestinada do Filho, e a Esposa eleita do Espírito Santo.
A verdadeira doutrina de Jesus tem estado, em todos os tempos, intimamente ligada com a devoção a Maria; e os golpes que ferem a Mãe devem passar pelo Filho. Assim, Maria é a herança do católico humilde e obediente. A santidade cresce na razão da devoção que por ela se tem. Os santos formaram-se na escola de seu amor. O pecado não tem maior inimigo que Maria; basta pensar nela para o conjurar, e os demônios tremem ao ouvir o seu nome.
Ninguém pode amar o Filho sem que aumente também em si o amor da Mãe; ninguém pode amar Maria sem que ao mesmo tempo sinta inflamar-se-lhe o coração pelo Filho. Jesus a colocou à frente da sua Igreja para ser a garantia das graças que por meio dela repartiria, e a pedra de escândalo para os seus inimigos. Que admira pois, que os interesses do Filho e a honra da Mãe sejam uma só e a mesma coisa?
Se em reparação das blasfêmias com que os heréticos mancham a sua dignidade fizerdes vós um ato de amor ou de ação de graças, em honra da sua Imaculada Conceição e da sua perpetua Virgindade, de cada vez que o fizerdes, favorecereis os interesses de Jesus. Tudo quanto possais fazer para propagar o seu culto, e principalmente para inspirar aos católicos uma terna devoção para com ela, será uma obra meritória aos olhos de Jesus, que não deixará de vos recompensar generosamente.
Atrair os fiéis à sagrada mesa nos dias de festas de Maria, alistarem-se nas suas Confrarias, conservarem alguma imagem dela, ganharem indulgencias pelas almas do purgatório que na terra tiveram uma especial devoção por ela, rezar o rosário todos os dias; são coisas que todos podem fazer e todas elas concorrem para os interesses de Jesus.
Há uma devoção que eu quero sugerir, e oxalá possa inspira-la a todos! Então faríamos prosperar os interesses de Jesus, e dela colheria Nosso Senhor em todo o universo uma duplicação de amor! É depositarmos mais confiança nas preces da nossa divina Mãe; descansarmos nela com menos hesitação; endereçar-lhe os nossos pedidos com mais afoiteza; em uma palavra, termos mais fé nela.
Haveria mais amor por Maria se houvesse mais fé em Maria; mas vivemos num país herético e é difícil permanecer no meio da neve sem arrefecer. Ó Jesus, reanimai a nossa confiança em Maria, não só para que trabalhemos nos vossos amáveis interesses, mais para que o façamos do modo que vós desejais, não permitindo que nenhuma criatura ocupe no nosso coração mais lugar que Aquela que tinha no vosso maior quinhão, maior que o de todas as outras criaturas juntas!


IV.                                   A estimação da sua Graça


Mais um dos quatro interesses de Jesus. O mundo teria uma feição inteiramente diferente, se os homens estimassem a graça no seu justo valor. Existe em todo o universo algum objeto que tenha valor intrínseco, a não ser a graça? E não obstante, com que fraqueza vamos atrás das futilidades, que nada teem de comum com os interesses de Jesus! Que cegueira! Que tempo perdido! Quanto mal fazemos! Quanto bem deixamos de fazer!E todavia, apesar disto, com que carinho, com que paciência nos trata Jesus! Se todos soubessem apreciar dignamente a graça, todos os outros interesses de Jesus medrariam. Quando estes sofrem, é precisamente por que não se dá a graça a estimação que ela merece. As graças veem incessantemente, e os merecimentos a adquirir multiplicam-se tão rapidamente como as pulsações do Sagrado Coração de Jesus.Enquanto este coração se abrasa por nós no amor mais ardente, nós dizemos: “Não tenho obrigação de fazer isto; não preciso de me privar deste prazer; deve-se moderar o entusiasmo religioso.” Ó Jesus Cristo! Ó Caríssimo Jesus Cristo! Vede ao que chegam os que não sabem dignamente apreciar a graça. Mais valeria morrer, que desprezar uma só inspiração da graça. Acreditamo-lo todos? Não, mais julgamos crê-lo.Se os fundos públicos baixassem a metade do seu valor, este fato seria menos importante que se um pobre irlandês, doente em qualquer lugarejo obscuro, deixasse de adquirir, por falta de paciência, o menor grau de graça. Eis o que dizem a este respeito os teólogos: “Se se recebessem todos os dons da natureza e todas as perfeições naturais dos anjos, estas vantagens nada seriam, comparadas com a adição de um grau de graça, como Deus no-lo dá quando resistimos durante um quarto de hora a um sentimento de ira; pois a graça é uma participação da natureza divina.”
Oh! E não poremos nós isto em pratica, nós que tentamos persuadi-lo aos outros! Mostrai-me na Igreja um abuso, um mal qualquer, e estou pronto a demonstrar-vos o que se não teria dado, se os seus filhos houvessem correspondido dignamente à graça, e ainda mais, que tudo amanhã reentrará na ordem, se os fiéis quiserem começar a apreciar a graça no seu justo valor.
Não é verdade que de nada serviria a um homem ganhar o mundo inteiro, se por esse motivo devesse sofrer o menor dano na sua alma imortal? Ide propagar esta doutrina entre os vossos amigos; mostrai-lhes os tesouros que podem juntar com o auxílio da graça, mostrai-lhes como uma graça chama outra, como ela se converte num merecimento, finalmente como os merecimentos conduzem a glória eterna dos céus. Ah! Servirei realmente os interesses de Nosso Senhor, se assim obrardes, e servi-lo-eis muito melhor do que pensais.Pedi somente que os homens concebam uma ideia mais elevada e mais verdadeira da graça, e tornar-vos-eis ignotos apóstolos de Jesus. Todas as graças estão n’Ele: é a fonte e a plenitude delas; consome-o o desejo de as espalhar abundantemente sobre as almas que lhe são caras, e pelas quais morreu; e elas não lhe querem permitir, pois devem, para obter outras, corresponder às graças já obtidas. Ide ajudar Jesus. Por que há de perecer uma só dessas almas, pelas quais ele deu a sua vida? Digo uma só, pois é coisa horrorosa pensar na perda de uma alma. E por que se perderá ela? Porquê?
O precioso sangue está à disposição daqueles que o querem pedir, e o sangue dá a graça. São Paulo consagrou toda a sua vida a pregar aos homens a doutrina da graça, a pedir a Deus que lh’a enviasse, e que eficazmente os impulsionasse a fazerem bom uso dela quando a houvessem obtido. Após uma fervorosa comunhão, quando a fonte de todas as graças brota em nosso coração, como um manancial de água viva, peçamos-lhe que abra os olhos dos homens à beleza da sua graça; e a nossa oração sem dúvida obterá bom despacho.Assim faremos prosperar os interesses de Jesus, pois a natureza deste bom senhor é tal, quanto mais dá, mais rico se torna. Ó muito amado Rei da almas, como podemos nós gastar o nosso tempo com outro? Considerar que ele nos permite ocuparmo-nos dos seus interesses, não é um pensamento capaz de nos encher de admiração? Quanto a mim, espanto-me de que semelhante pensamento não nos faça cair em êxtase.Mas nós não conhecemos os nossos privilégios; e por quê? Por que não estudamos suficientemente o nosso amável Salvador. E por que não começaremos no tempo o que deve fazer a nossa felicidade em toda a eternidade? Estudemos Jesus. O céu não é céu senão por que Jesus lá está; e eu não compreendo porque a terra não é igualmente céu, pois Jesus também está na terra.
Ai! É porque nos deixou a miserável liberdade de o ofendermos. Eliminemos esta miséria e teremos neste mundo, se não o céu, pelo menos o purgatório, que é a porta do céu. Chegará finalmente o dia em que cessemos de pecar, em que não mais firamos o Sagrado Coração de Jesus? Ó Deus de amor, fazei nascer bem depressa o sol que não terá ocaso antes de ver realizar-se para nós esse glorioso privilégio!
Para quê nos afligir e perguntarmos temerosos se iremos para o céu logo que partamos deste mundo, ou se primeiro teremos de passar pelo purgatório? Que importa? A grande questão é perdermos a faculdade de ofender o Deus do nosso amor!


(Padre Frederico William Faber, Tudo por Jesus, Londres, 1853, p.27-36.)



Três VIAS




                                                                                     Pe. Júlio Maria Lombaerde



CONCORDÂNCIA DE DOUTRINAS

Três grandes idéias dominam a espiritualidade de hoje: a de Santa Teresinha, a de Santa Margarida Maria e a de São Luís Maria Grignion de Montfort. O espírito de cada um destes santos é, respectivamente: O abandono filial, A união amorosa, A dependência total.
Santa Teresinha insiste sobre o abandono filial e põe em relevo a bondade de Nosso Senhor. Esta é a base de sua santa infância. Santa Margarida Maria concentra-se sobre a união amorosa com o Coração de Jesus e faz sobressair o amor infinito que este divino Coração tem aos homens.
São Luís Maria Grignion de Montfort salienta a nossa total dependência de Jesus e Maria, e o reino do Salvador nas almas.


I.                    Aparente contradição

À primeira vista, parece haver contradição ou pelo menos, separação, entre a doutrina destes santos. Tal separação, porém, não existe. E até reina entre os ensinos deles a mais completa harmonia e a unidade mais perfeita. O que há é diferença de expressão, segundo a finalidade, que cada ensino tem em mira.
Santa Teresinha é a apóstola da bondade de Jesus.
Santa Margarida Maria é a pioneira do amor desprezado do Coração de Jesus.
São Luís Maria Grignion de Montfort é o soldado do reino de Jesus por Maria.
Para realização de seu ideal, cada um dos três exige das almas piedosas o que constitui a base de toda santidade: a humildade perfeita.

Ora, há três modos de praticar a humildade:

1. Entregando-se, com abandono total, à pessoa, que manda;
2. Ficando em união de vontade com quem manda;
3. Permanecendo na dependência completa de quem manda.

Abandono, união e dependência, são manifestações de uma só virtude: a humildade.
O abandono é mais filial e mais suave, A união é mais amorosa e mais íntima, A dependência é mais radical e mais humilde.Santa Teresinha escolheu o abandono de si mesma, enquanto Santa Margarida adotou a união amorosa e São Luís Maria Grignion de Montfort recomendou a dependência.
O abandono de si constitui a via da santa infância.
A união realiza o espírito de reparação e expiação.
A dependência concretiza a Santa Escravidão.
São os métodos dos três santos.

II. Método de Santa Teresinha

A humildade de coração forma a base da infância espiritual promulgada por Santa Teresinha.
Pode-se de fato distinguir: humildade de espírito, humildade de vontade e humildade de coração.
A santinha escolheu a humildade de coração, para patentear que sua humildade não é simplesmente o estado da alma, que vê que nada é e nada pode, mas ainda o estado de amor a esta nulidade.
Averiguar que nada somos é o primeiro passo; amar esta condição é o segundo.
Aceitar uma humilhação com calma é a humildade de espírito.
Procurar aquilo que humilha é a humildade de vontade.
Amar a humilhação e nela comprazer-se, – eis a humildade de coração.
“Ser pequeno” – diz a amável santinha – é não atribuir a si mesmo as virtudes praticadas, nem reputar-se capaz de qualquer coisa; é, sim, reconhecer que é o bom Deus, que põe nas mãos de seus filhinhos o tesouro da virtude, de que Ele se serve quando precisa, porquanto a virtude permanece sempre tesouro de Deus. O que agrada a Jesus em minha pequenina alma é ver que amo a minha pequenez e minha pobreza, é a cega esperança que tenho em sua misericórdia”.
Estas palavras resumem toda a espiritualidade de Teresinha. Não somente ela se julga pequena, fraca e inconstante, mas ama esta pequenez, compraz-se nela e nela acha a sua riqueza.
Continua Santa Teresinha: “Para sermos humildes, é preciso que consintamos alegremente em tudo o que os outros nos mandam. Quando alguém vos pedir um serviço, considerai-vos um pequeno escravo, a quem todos possam dar ordens”.É o caminho do santo abandono nas mãos de Deus. Consiste em considerar Deus como pai carinhoso e aceitar com amor tudo o que Ele nos manda.
A santinha de Lisieux deu a esta prática o nome de infância espiritual.
Veremos depois como esta convicção e amor da própria pequenez redunda no que São Luís Maria Grignion de Montfort chama Santa Escravidão.

III. O método de Santa Margarida
Santa Margarida, cujas revelações foram o mais belo e completo código da santidade, trilhara o mesmo caminho e ensinara a mesma prática de Santa Teresinha. Deu-lhe apenas um nome diferente, por tê-la considerado sob outro prisma.Santa Teresinha concentra-se na união com Jesus sob o nome de dependência filial, e termina na prática da Santa Escravidão.A vidente de Paray-le-Monial exalta a mesma união sob a forma de união amorosa; e termina, como Santa Teresinha, na Santa Escravidão.
Na primeira e solene aparição do Coração de Jesus – 1674 – o divino Salvador disse à Santa: “Até então tomaste o nome de escrava; de agora em diante te dou o nome de discípula querida de meu coração”.
Mais tarde Jesus lhe disse – 1688 – : “Enfim és inteiramente minha, vives para mim, vives para fazer tudo o que eu desejar, filha minha, como minha esposa, minha escrava, minha vítima, dependente em tudo do meu coração”.E é por isso que, em suas cartas, na narração de sua vida e em várias de suas consagrações, a santa se declara escrava do Coração de Jesus. Deseja ela com este título, exprimir a sua submissão total ao Coração de Nosso Senhor e aos deveres impostos por esta devoção.
Escreve alhures: – “Quero fazer consistir toda a minha glória em viver e morrer na qualidade de vossa escrava”.No retiro de 1672, inspirada pelo Sagrado Coração, escreveu em suas resoluções o seguinte:
“Eu, ínfima e miserável criatura, protesto, diante de Deus, submeter-me e sacrificar-me em tudo o que Ele pedir de mim, imolando o meu coração no cumprimento de sua vontade, sem reserva de outro interesse que sua maior glória e seu puro amor, ao qual consagro e entrego todo o meu ser e todos os meus movimentos. Pertenço para sempre ao meu bem-amado, como sua escrava, sua serva e sua criatura”.
Vê-se, claramente, através destes sentimentos e expressões da santa, que o título de escravo não é uma novidade na vida espiritual; é, sim, para ela a expressão adequada de sua completa entrega a Jesus Cristo.
Margarida Maria, que muito bem soube interpretar os desejos do Coração de Jesus, não ignorava, por certo, as suaves intimidades da infância espiritual. Mas compreendia também que entre os dois termos escravidão e confiança não havia nenhuma incompatibilidade, e, mais perfeita harmonia de doutrina e de prática.


IV. A Santa Escravidão
Ensina-nos São Luís Maria Grignion de Montfort as virtudes, obras a praticar e as disposições de que devemos nos revestir, para alcançar esta Santa Escravidão ou dependência completa de Jesus por Maria ou de Maria por Jesus.Por ora não vamos insistir sobre estes pontos, pois serão longamente desenvolvidos no correr do livro. Mostremos apenas a união de espírito entre Jesus e Maria; sem isto não poderemos compreender os termos que Montfort emprega.
São Francisco de Sales diz a respeito:

“A Virgem Santíssima tinha uma só vida com seu divino Filho. Jesus e Maria eram, de certo, duas pessoas, mas tinham um só coração, uma só alma, um mesmo espírito, uma vida idêntica”.
Se o Apóstolo pôde dizer que a sua vida era a vida de Cristo, com mais razão podia dizer a Santíssima Virgem que a “sua vida era a vida de Jesus”.
Ora, sendo assim tão unidos Jesus e Maria, a ponto de terem uma só vida, podemos, logo, chamar-nos, indiferentemente: escravos de Maria ou escravos de Jesus.
Montfort insiste muito sobre este ponto. Repete, a cada passo, que há a mais íntima união entre Jesus e Maria. Tão intimamente são unidos, que um se acha inteiramente no outro.
Jesus está inteiramente em Maria. Maria Santíssima está inteiramente em Jesus.
Ou, antes, ela não é mais ela, mas Jesus é tudo nela; a tal ponto que diz ser mais fácil separar a luz do sol do que separar Maria de Jesus. Maria Santíssima torna-se, deste modo, um caminho fácil para irmos a Jesus. E isto porque um caminho preparado pelo próprio Deus; caminho pelo qual Jesus Cristo veio até nós e onde não há estorvo ou obstáculo.
“Daí resulta, – continua Montfort – que a devoção que mais intimamente nos une a Maria pode ser considerada como o caminho fácil, curto, perfeito, para conduzir à união divina, na qual consiste a perfeição cristã... Além disso, este caminho é muito fácil por causa da plenitude da graça e da unção do Espírito Santo de que está repleto”. “Neste caminho – completa o Santo – não há nem lodo nem poeira, nem a menor mancha de pecado, pois a Virgem Imaculada é a mais perfeita e a mais santa das criaturas, de modo que Jesus Cristo chegou perfeitamente até nós, sem tomar outro caminho em sua grande e admirável viagem do céu à terra”.“Maria é um caminho seguro, porque seu ofício próprio é conduzir-nos a Jesus Cristo; como o ofício próprio de Jesus Cristo é conduzir-nos ao Pai Eterno”.
“Não há, pois, e nunca haverá, criatura que nos ajude mais eficazmente do que Maria, para chegarmos à união com Deus; e isto tanto pelas graças que nos comunica para esse fim, quanto pelo afastamento de toda ilusão e de todo erro de que ela nos preserva”.

V. Comparação entre os métodos
As idéias de Santa Teresinha e de Santa Margarida Maria concretizam-se admiravelmente na Santa Escravidão, ensinada por Montfort.
Já dissemos, precedentemente, que estes santos têm a mesma concepção da vida de intimidade com Jesus e Maria.A união amorosa e a dependência ou infância espiritual reúnem-se e formam o abandono total ou Santa Escravidão. Este novo modo de dizer significa algo de mais humilde ainda que a expressão de Santa Teresinha e Santa Margarida Maria.Há, de fato, duas criaturas neste mundo que vivem sob o poder de outrem: a criança e o escravo.A criança nada pode. Tudo recebe dos pais. É a impotência radical.
O escravo não se pertence. É um bem do senhor que o possui.
Santa Teresinha queria ser pequenina, como uma criancinha, para atrair o olhar de Jesus.
Santa Margarida queria ser pequenina, para poder perder-se no Coração amoroso de Jesus.
Montfort queria ser pequeno, como um escravo, para ser propriedade de Jesus.
Todos três querem pertencer a Jesus, unir-se a Ele, viver d’Ele e n’Ele; e, para se elevarem, ou, melhor, serem elevados a estas alturas, procuram abaixar-se, humilhar-se, ser um nada, um pequeno escravo de amor! Na base, estão de acordo os três. Somente escolheu cada um, para exprimir a mesma verdade, o termo próprio, que combina melhor com seu espírito e com a graça particular recebida de Deus.
Santa Teresinha é a meiguice da criança, Santa Margarida Maria é a chama da estática. São Luís Maria de Montfort é o zelo do conquistador.
O primeiro caminho é a infância espiritual de Santa Teresinha. O segundo, é a imolação amorosa de Santa Margarida. O terceiro, é o zelo apostólico de Montfort.
São três chamas, proveniente de um único amor – o amor de Jesus considerado como Pai, como Rei, como Senhor.Aqui a espiritualidade de Montfort toma a sua feição particular, o seu cunho próprio, a sua base mariana.Santa Teresinha é apóstola da bondade de Jesus; Santa Margarida é apóstola do Sagrado Coração de Jesus; Montfort é apóstolo de Maria Santíssima.
Do lado doutrinal, os três ensinam a mesma doutrina da humildade.
Do lado devocional, eles se dividem: Santa Teresinha preconiza o seu caminho da santa infância e a devoção ao Menino Jesus, ao passo que Santa Margarida penetra no Coração de Jesus, e dedica-se a esta devoção consoladora; Montfort nos revela o seu segredo da Verdadeira Devoção, e concentra-se sobre a devoção a Maria Santíssima como Rainha dos corações.
Para Montfort a virtude básica é também a humildade, expressa pelo termo escravo. A devoção é à Virgem Santa, como Soberana dos corações. E o fim de tudo é Jesus Cristo; donde as expressões empregadas indiferentemente pelo Santo: escravidão de Jesus em Maria e escravidão de Maria em Jesus.

VI. O Segredo de Maria
Montfort apresenta a Santa Escravidão como um segredo. Esta palavra excita curiosidade. E não há leitor do livro da Verdadeira Devoção que não o procure logo descobrir.
O segredo, porém, não consiste na teoria, e sim na prática desta devoção.
A prática consiste em entregar-se inteiramente, na qualidade de escravo a Maria e, por Ela, a Jesus, e em procurar fazer todas a ações com Maria, em Maria, por Maria e, para Maria, no intuito de faze-las mais perfeitamente com Jesus, em Jesus, por Jesus e para Jesus.
Compôs o santo uma fórmula de Consagração. É a parte exterior. A parte interior não é mais que a aplicação constante a viver como um escravo, dependente em tudo da vontade de Maria Santíssima.
O segredo está, pois, nesta nossa dependência amorosa, filial e humilde da Virgem Santíssima.
É uma espécie de presença de Maria, semelhante à presença de Deus.
Tal presença não é esforço de imaginação ou de vontade, mas, sim, uma certa atenção de espírito em procurar ocasiões de fazer algum sacrifício por amor da Santíssima Virgem.
É, por outra, vivermos espreitando as ocasiões favoráveis de praticar a virtude.
Tal disposição nos conserva num estado de dependência total, num abandono completo à vontade de Maria. E, destarte, tudo aceitamos d’Ela, para Ela nos volvemos constantemente para vermos sua mão em tudo, e procurando em tudo, conformar-nos a seu alvitre.
É aqui que está o segredo. Consagrar-se à Virgem Santa como escravo é um ato passageiro que qualquer um pode fazer. E, de fato, muitos o fazem, sem depois aplicar-se a viver esta Consagração.
Viver esta Consagração – este é o segredo. E a medida que tal vida se desenvolver em nós, o segredo descobrir-se-á mais e mais, até que o possuamos completamente.
Deste modo, a Santa Escravidão de Montfort não é simplesmente uma devoção; é mais que isso: um método eficaz de santificação.
A devoção é por muitos conhecida e praticada. O método de santificação porém o é muito pouco. Entretanto, os dois devem dar-se as mãos, devem ser ambos praticados para produzir o que devem – a santidade, como teremos ocasião de averiguar mais adiante.

VII. A Devoção mais Perfeita
Qual é a devoção mais perfeita, ou o método mais prático dos três acima citados? A resposta é difícil, porque a superioridade de um método, d’uma devoção, não é somente objetiva, mas, também subjetiva, isto é, não depende só do valor intrínseco da devoção, mas também da disposição pessoal de quem pretende adotá-la.
Pode-se pôr um princípio, nesta maioria; é o seguinte: que uma devoção é também mais perfeita, quanto mais intimamente nos une a Jesus Cristo.
Ter uma confiança ilimitada em Nossa Senhora, dar-se a ela, numa expansão de amor ardente, como Santa Teresinha, é sublime, é divinamente belo...
Penetrar no Coração de Jesus, e ali consumir-se nas chamas de seu imenso amor, como Santa Margarida Maria, é docemente extático...
Mas, entregar-se nas mãos de Jesus e Maria, como escravo, não simplesmente para amar e ser amado, mas para trabalhar, lutar e sofrer para Aquele e Aquela que amamos, como ensina Montfort, – eis o que é simplesmente heróico! É imitar o divino Salvador, que por amor de nós se entregou a si mesmo como oblação. Para bem acentuar esta dependência total, que constitui o espírito de sua devoção, São Luís Grignion de Montfort faz distinção entre escravo e servo.
Um servo ou criado dá apenas uma parte de seu tempo e de seu trabalho, recebendo em retribuição um salário combinado, que lhe é devido em justiça. O escravo, porém, vive e trabalha para o senhor sem ter direito a remuneração alguma. Sua dependência é absoluta, para sempre, sem direitos nem concessões, a não ser no que espontaneamente lhe é permitido pelo amo.
É a imitação de Jesus Cristo, de quem São Paulo disse: “Aniquilou- se a si mesmo, tomando a forma de um escravo”.Sob este ponto de vista, podemos pois dizer, que a santa escravidão encerra tudo o que as outras devoções têm de mais elevado.
E, como é impossível alguém rebaixar-se mais do que se tornando escravo, é também impossível que se eleve mais alto na generosidade para com Deus, consoante a palavra do divino Mestre: “Aquele que se humilhar será exaltado” – Lc 4, 11.


(Segredo da Verdadeira devoção a Santíssima Virgem, pe. Julio Maria Lombaerde)


FORÇA DA PUREZA




Godofredo de Bouillon


O Padre Ratisbonne, fundador da Congregação de Nossa Senhora do Sion, comenta que todo cristão tem, em sua vida, três instantes de graça maior, três píncaros decisivos. O primeiro é o momento do batismo, quando o homem nasce para a vida da graça, e se torna membro da Santa Igreja de Deus. O último é o momento supremo da perseverança final, quando a alma se separa do corpo e nasce para a Vida Eterna. Entre esses dois extremos, há, no entanto um outro momento, que é a hora da vocação. É quando o homem conhece a missão para a qual Deus o criou, e aceita, e abraça essa missão como sendo a razão de sua existência. Essa correspondência a vocação é o elo que une o batismo a perseverança final, elo importantíssimo e quase indispensável, sem o qual a salvação corre sério perigo, elo que resume a vida de um homem, e sem cuja análise, nenhuma biografia pode ser digna desse nome.

Antes de conhecida, a vocação é como uma luz, difusa, um farol oculto pela neblina, que o navegante procura ansioso, mas, sem desespero, porque sabe que o encontrará; depois da descoberta, a vocação é a bússola, é a estrela, é a rota que o cristão segue com alegria e confiança. E então, quando surgem os momentos de angustia e as agruras do combate, o católico encontrará o ânimo no considerar a própria vocação: "foi para isso que eu nasci nisso Deus me quer, e nisso encontrarei a Deus".

Godofredo de Bouillon, Duque da Lorena, nasceu para ser cruzado. E realizou sua vocação naquela Sexta- Feira, do ano de 1099, quando, com a espada em punho, e a frente do exército católico, atravessou as muralhas da Cidade Santa de Jerusalém, expulsando os muçulmanos e retomando para Deus o que a Deus pertencia. Vencida a batalha, Godofredo depôs suas armas, e, de pés descalços, em sinal de humildade correu para o tesouro que veio buscar: o Santo Sepulcro de Nosso Senhor; não eram as  riquezas que o atraíam.  Mais tarde, quando seus soldados o quiseram coroar rei, exclamou: "não posso aceitar ser coroado de ouro, no mesmo lugar onde Nosso Senhor foi coroado de espinhos!"

E ficou em Jerusalém o resto da vida, como defensor do Santo Sepulcro. Sua força era lendária. Os soldados afirmavam que ele era capaz de cortar completamente o pescoço de um camelo, com um só golpe de espada. Conta-se que alguns árabes duvidaram disso, e apostaram, com os católicos, que Godofredo não seria capaz de tal proeza. Ajustados os termos da aposta, foram procurar o cruzado, levando um camelo que os árabes haviam comprado para o teste. Godofredo levantou-se, tomou de sua espada e, de um só golpe, fez cair à cabeça do animal. Atônitos, os árabes protestaram, afirmando que aquilo era impossível, a menos que a espada fosse mágica. Desafiou Godofredo a repetir o feito, usando dessa vez uma espada árabe.

Novo camelo é trazido e, em poucos instantes, sua cabeça decepada vai juntar-se a do anterior.

Os soldados católicos, ironicamente, perguntaram se os árabes desejavam financiar mais um camelo para novo teste, talvez agora com uma espada grega...

Os árabes, vendo os custos crescerem, desistiram e pagaram a aposta. Depois, ainda atônitos, perguntam a Godofredo: "Qual é a mágica que lhe deu tanta força?" E o cruzado, estendendo serenamente suas mãos, assim falou: "Tenho tanta força porque estas mãos nunca pecaram contra a pureza".

Sublime resposta! Magnífica lição para tantos jovens e velhos de hoje que cultuam irracionalmente a força bruta, mas desprezam a pureza! "Rambos" e "Rockys" de alma imunda, assemelhando-se mais a bichos do que a Filhos de Deus...

Godofredo de Bouillon, o Cruzado, faleceu em Jerusalém, aos pés do santo Sepulcro que jurou, até a morte, defender.

Sua vocação estava cumprida. Agora se lhe abriam as portas do Céu.

(O Desbravador - Setembro de 2007)

PS: Grifos meus.

Fonte: http://a-grande-guerra.blogspot.com.br/2011/04/godofredo-de-bouillon-ou-forca-da.html

OBSERVÂNCIA QUANTO AO PERÍODO QUARESMAL






sabendo que tudo tem que ser no amor para com Deus em nome de Jesus amado 

Escrito pelo Cardeal Desidério José Mercier
Livre-tradução do Artigo “La mortificación cristiana” do Cardeal Desidério José Mercier publicado em “Cuadernos de La Reja” número 2 do Seminário Internacional Nossa Senhora Corredentora da FSSPX.


Artigo 1 - Objeto da mortificação cristã

A mortificação cristã tem por fim neutralizar as influências malignas que o pecado original ainda exerce nas nossas almas, inclusive depois que o batismo as regenerou. Nossa regeneração em Cristo, ainda que anulou completamente o pecado em nós, nos deixa sem embargo muito longe da retidão e da paz originais. O Concílio de Trento reconhece que a concupiscência, ou seja, o triple apetite da carne, dos olhos e do orgulho, se deixa sentir em nós, inclusive depois do batismo, afim de excitar-nos às gloriosas lutas da vida cristã (Conc. Trid., Sess. 5, Decretum de pecc. orig.).

A Escritura logo chama esta triple concupiscência de “homem velho”, oposto ao “homem novo” que é Jesus que vive em nós e nós mesmos que vivemos em Jesus, como “carne” ou natureza caída, oposta ao “espírito” ou natureza regenerada pela graça sobrenatural. Este velho homem ou esta carne, ou seja, o homem inteiro com sua dupla vida moral e física, deve ser, não digo aniquilado, porque é coisa impossível enquanto dure a vida presente, mas sim mortificado, ou seja, reduzido praticamente à impotência, à inércia e à esterilidade de um morto; há que impedir-lhe que dê seu fruto, que é o pecado, e anular sua ação em toda a nossa vida moral.

A mortificação cristã deve, portanto, abraçar o homem inteiro, estender-se a todas as esferas de atividade nas quais a natureza é capaz de mover-se. Tal é o objeto da virtude de mortificação. Vamos indicar sua prática, recorrendo sucessivamente as manifestações múltiplas de atividade em que se traduz em nós:

I) A atividade orgânica ou a vida corporal;
II) A atividade sensível, que se exerce seja debaixo da forma do conhecimento sensível pelos sentidos exteriores ou pela imaginação, seja debaixo da forma de apetite sensível ou de paixão;
III) A atividade racional e livre, princípio de nossos pensamentos e de nossos juízos, e das determinações de nossa vontade;
IV) Consideraremos a manifestação exterior da vida de nossa alma, ou nossas ações exteriores;
V) E, finalmente, o intercâmbio de nossas relações com o próximo.


Artigo 2 - Exercício da mortificação cristã

A. Mortificação do corpo

1º Limite-se, tanto quanto possa, em matéria de alimentos, ao estritamente necessário. Medite estas palavras que Santo Agostinho dirigia a Deus: “Me ensinastes, oh meu Deus, a pegar os alimentos somente como remédios. Ah, Senhor!, aqui quem de entre nós não vai além do limite? Se há um só, declaro que este homem é grande e que deve grandemente glorificar vosso nome” (Confissões, liv. X, cap. 31);

2º Roga a Deus com freqüência, roga-lhe a cada dia que lhe impeça, com Sua graça, de transpassar os limites da necessidade, ou deixar-se levar pelo atrativo do prazer;

3º Não pegue nada entre as refeições, ao menos que haja alguma necessidade ou razões de conveniência;

4º Pratique a abstinência e o jejum, mas pratique-os somente debaixo da obediência e com discrição;

5º Não lhe está proibido saborear alguma satisfação corporal, mas faça-o com uma intenção pura e bendizendo a Deus;

6º Regule seu sono, evitando nisto toda relaxação ou molície, sobretudo pela manhã. Se pode, fixe-se uma hora para deitar-se e levantar-se, e obrigue-se a ela energicamente;

7º Em geral, não descanse senão na medida do necessário; entregue-se generosamente ao trabalho, e não meça esforços e penas. Tenha cuidado para não extenuar seu corpo, mas guarde-se também de agradá-lo: quando sentir que ele está disposto a rebelar-se, por pouco que seja, trate-o como a um escravo;

8º Se sente alguma ligeira indisposição, evite irritar-se com os demais por seu mal humor; deixe aos seus irmãos o cuidado de queixar-se; pelo que lhe cabe, seja paciente e mudo como o divino Cordeiro que levou verdadeiramente todas as nossas enfermidades;

9º Guarde-se de pedir uma dispensa ou revogação à sua ordem do dia pelo mínimo mal-estar. “Há que fugir como da peste de toda dispensa em matéria de regras”, escrevia São João Berchmans;

10º Receba docilmente, e suporte humilde, paciente e perseverantemente a mortificação penosa que se chama doença.


B. Mortificação dos sentidos, da imaginação e das paixões


1º Feche seus olhos, diante de tudo e sempre, a todo espetáculo perigoso, e inclusive tenha a valentia de fechá-los a todo espetáculo vão e inútil. Veja sem olhar; não se fixe em ninguém para discernir sua beleza ou feiúra;

2º Tenha seus ouvidos fechados às palavras bajuladoras, aos louvores, às seduções, aos maus conselhos, às maledicências, às zombarias que ferem, às indiscrições, à crítica malévola, às suspeitas comunicadas, a toda palavra que possa causar o menor esfriamento entre duas almas;

3º Se o sentido do olfato tem que sofrer algo por conseqüência de certas doenças ou debilidades do próximo, longe de queixar-se disso, suporte-o com uma santa alegria;

4º No que concerne à qualidade dos alimentos, seja muito respeitoso do conselho de Nosso Senhor: “Comei o que vos for apresentado”. “Comer o que é bom sem comprazer-se nisto, o que é mau sem mostrar aversão, e mostrar-se indiferente tanto em um como no outro, esta é a verdadeira mortificação”, dizia São Francisco de Sales;

5º Ofereça a Deus suas comidas, imponha-se na mesa uma pequena privação: por exemplo, negue-se um grão de sal, um copo de vinho, uma guloseima, etc.; os demais não o perceberão, mas Deus o terá em conta;

6º Se o que lhe apresentam excita vivamente seu atrativo, pense no fel e no vinagre que apresentaram a Nosso Senhor na cruz: isto não lhe impedirá de saborear o manjar, mas servirá de contrapeso ao prazer;

7º Há que evitar todo contato sensual, toda carícia em que se poria certa paixão, em que se buscaria ou onde se teria um gozo principalmente sensível;

8º Prescinda de ir aquecer-se ao menos que lhe seja necessário para evitar-lhe uma indisposição;

9º Suporte tudo o que aflige naturalmente a carne; especialmente o frio do inverno, o calor do verão, a dureza da cama e todas as incomodidades do gênero. Faça boa cara em todos os tempos, sorria a todas as temperaturas. Diga com o profeta: “Frio, calor, chuva, bendizei ao Senhor”. Felizes se podemos chegar a dizer com gosto esta frase tão familiar a São Francisco de Sales: “Nunca estou melhor do que quando não estou bem”;

10º Mortifique sua imaginação quando lhe seduz com a isca de um posto brilhante, quando se entristece com a perspectiva de um futuro sombrio, quando se irrita com a recordação de uma palavra ou de um ato que o ofendeu;

11º Se sente em você a necessidade de sonhar, mortifique-a sem piedade;

12º Mortifique-se com o maior cuidado sobre o ponto da impaciência, da irritação ou da ira;

13º Examine a fundo seus desejos, e submeta-os ao controle da razão e da fé: você não deseja mais uma vida longa que uma vida santa? prazer e bem-estar sem tristeza nem dores, vitórias sem combates, êxitos sem contrariedades, aplausos sem críticas, uma vida cômoda e tranqüila sem cruzes de nenhum tipo, ou seja, uma vida completamente oposta à de nosso divino Salvador?

14º Tenha cuidado de não contrair certos costumes que, sem ser positivamente maus, podem chegar a ser funestos, tais como o costume de leituras frívolas, dos jogos de azar, etc.;

15º Trate de conhecer seu defeito dominante, e quando o tiver conhecido, persiga-o até suas últimas pregas. Por isso, submeta-se com boa vontade ao que poderia ter de monótono e de entediado na prática do exame particular;

16º Não lhe está proibido ter bom coração e mostrá-lo, mas fique atento para o perigo de exceder o justo meio. Combata energicamente os afetos demasiado naturais, as amizades particulares, e todas as sensibilidades moles do coração.


C. Mortificação do espírito e da vontade


1º Mortifique seu espírito proibindo-lhe todas as imaginações vãs, todos os pensamentos inúteis ou alheios que fazem perder o tempo, dissipam a alma, e provocam o desgosto do trabalho e das coisas sérias;

2º Deve distanciar de seu espírito todo pensamento de tristeza e de inquietude. O pensamento do que poderá suceder no futuro não deve preocupá-lo. Quanto aos maus pensamentos que o molestam, deve fazer deles, distanciando-os, matéria para exercer a paciência. Se são involuntários, não serão para você senão uma ocasião de méritos;

3º Evite a teimosia em suas idéias, e a obstinação em seus sentimentos. Deixe prevalecer de boa vontade o juízo dos demais, salvo quando se trate de matérias em que você tem o dever de pronunciar-se e falar;

4º Mortifique o órgão natural de seu espírito, ou seja, a língua. Exerça-se de boa vontade no silêncio, seja porque sua Regra o prescreve, seja porque você o impõe espontaneamente;

5º Prefira escutar os demais do que falar você mesmo; mas, sem embargo, fale quando convenha, evitando tanto o excesso de falar demasiado, que impede os demais expressar seus pensamentos, como o de falar demasiado pouco, que denota indiferença que fere ao que dizem os demais;

6º Não interrompa nunca quem fala, e não corte com uma resposta precipitada quem lhe pergunta;

7º Tenha um tom de voz sempre moderado, nunca brusco nem cortante. Evite os “muito”, os “extremamente”, os “horrivelmente”, etc.: não seja exagerado em seu falar;

8º Ame a simplicidade e a retidão. A simulação, os rodeios, os equívocos calculados que certas pessoas piedosas se permitem sem escrúpulo, desacreditam muito a piedade;

9º Abstenha-se cuidadosamente de toda palavra grosseira, trivial ou inclusive ociosa, pois Nosso Senhor nos adverte que nos pedira conta delas no dia do Juízo;

10º Acima de tudo, mortifique sua vontade; é o ponto decisivo. Adapte-a constantemente ao que sabe ser do beneplácito divino e da ordem da Providência, sem ter nenhuma conta nem de seus gostos nem de suas aversões. Submeta-se inclusive a seus inferiores nas coisas que não interessam para a glória de Deus e os deveres de seu cargo;

11º  Considere a menor desobediência às ordens e inclusive aos desejos de seus Superiores como dirigida a Deus;

12º Lembre-se de que praticará a maior de todas as mortificações quando ame ser humilhado e quando tenha a mais perfeita obediência àqueles a quem Deus quer se se submeta;

13º Ame ser esquecido e ser tido por nada: é o conselho de São João da Cruz, é o conselho da Imitação: não fale apenas de si mesmo nem para bem nem para mal, senão busque pelo silêncio fazer-se esquecer;

14º Diante de uma humilhação ou repreensão, se sente tentado a murmurar. Diga como Davi: “Melhor assim! Me é bom ser humilhado!”;

15º Não entretenha desejos frívolos: “Desejo poucas coisas, e o pouco que desejo, o desejo pouco”, dizia São Francisco;

16º Aceite com a mais perfeita resignação as mortificações chamadas de Providência, as cruzes e os trabalhos unidos ao estado em que a Providência o pôs. “Quanto menos há de nossa eleição, mais há de beneplácito divino”, dizia São Francisco de Sales. Queríamos escolher nossas cruzes, ter outra distinta da nossa, levar uma cruz pesada que tivesse ao menos algum brilho, antes que uma cruz ligeira que cansa por sua continuidade: Ilusão! Devemos levar nossa cruz, e não outra, e seu mérito não se encontra em sua qualidade, senão na perfeição com que a levamos;

17º Não se deixe turbar pelas tentações, pelos escrúpulos, pelas aridezes espirituais: “o que se faz durante a sequidão é mais meritório diante de Deus do que o que se faz durante a consolação”, dizia o santo bispo de Genebra;

18º Não devemos entristecer-nos demasiado por nossas misérias, senão mais bem humilhar-nos. Humilhar-se é uma coisa boa, que poucas pessoas compreendem; inquietar-se e impacientar-se é uma coisa que todo o mundo conhece e que é má, porque nesta espécie de inquietude e de despeito o amor próprio tem sempre a maior parte;

19º Desconfiemos igualmente da timidez e do desânimo, que fazem perder as energias, e da presunção, que não é mais do que o orgulho em ação. Trabalhemos como se tudo dependesse de nossos esforços, mas permaneçamos humildes como se nosso trabalho fosse inútil.


D. Mortificações que há que praticar em nossas ações exteriores


1º Deve ser o mais exato possível em observar todos os pontos de sua regra de vida, obedecer sem demora, lembrando-se de São João Berchmans, que dizia: “Minha maior penitência é seguir a vida comum”; “Fazer o maior caso das menores coisas, tal é o meu lema”; “Antes morrer que violar uma só de minhas regras!”;

2º No exercício de seus deveres de estado, trate de estar muito contente com tudo o que parece feito de propósito para desagradá-lo e molestá-lo, lembrando-se também aqui da frase de São Francisco de Sales: “Nunca estou melhor quando não estou bem”;

3º Não conceda jamais um momento à preguiça; da manhã à noite, esteja ocupado sem descanso;

4º Se sua vida se passa dedicada, ao menos em partes, ao estudo, aplique os seguintes conselhos de Santo Tomás de Aquino aos seus alunos: “Não se contentem com receber superficialmente o que lêem ou escutam, senão tratem de penetrar e aprofundar seu sentido. - Não fiquem nunca com dúvidas sobre o que podem saber com certeza. - Trabalhem com uma santa avidez em enriquecer seu espírito; classifiquem com ordem em sua memória todos os conhecimentos que possa adquirir. - Sem embargo, não tratem de penetrar os mistérios que estão por acima de sua inteligência”;

5º Ocupe-se unicamente da ação presente, sem voltar ao que precedeu nem adiantar-se pelo pensamento ao que vem a seguir; diga com São Francisco: “Enquanto faço isto, não estou obrigado a fazer outra coisa”; “Apressemo-nos com bondade: será tão logo tanto quanto esteja bom”;

6º Seja modesto em sua compostura. Nenhum porte era tão perfeito como o de São Francisco; tinha sempre a cabeça direita, evitando igualmente a ligeireza que a gira em todos os sentidos, a negligência que a inclina adiante e o humor orgulhoso e altivo que a levanta para trás. Seu rosto estava sempre tranqüilo, livre de toda preocupação, sempre alegre, sereno e aberto, sem ter sem embargo uma jovialidade indiscreta, sem risadas ruidosas, imoderadas ou demasiado freqüentes;

7º Quando se encontrava só mantinha-se em tão boa compostura como diante de uma grande assembléia. Não cruzava as pernas, não apoiava a cabeça no encosto. Quando rezava, ficava imóvel como uma coluna. Quando a natureza lhe sugeria seus gostos, não a escutava em absoluto;

8º Considere a limpeza e a ordem como uma virtude, e a sujeira e a desordem como um vício: evite os vestidos sujos, manchados ou rasgados. Por outra parte, considere como um vício ainda maior o luxo e o mundanismo. Faça de modo de ao ver sua vestimenta e adereços, ninguém diga: está desarrumado; nem: está elegante; senão que todo o mundo possa dizer: está decente.


E. Mortificações para praticar em nossas relações com o próximo


1º Suporte os defeitos do próximo: faltas de educação, de espírito, de caráter. Suporte tudo o que nele lhe desagrada: seu modo de andar, sua atitude, seu tom de voz, seu sotaque, e todo o resto;

2º Suporte tudo a todos e suporte até o fim e cristãmente. Não se deixe levar jamais por essas impaciências tão orgulhosas que fazem dizer: Que posso fazer de tal o qual? Em que me concerne o que diz? Para que preciso o afeto, a benevolência ou a cortesia de uma criatura qualquer, e desta em particular? Nada é menos segundo Deus que estes desprendimentos altaneiros e estas indiferenças depreciativas; melhor seria, certamente, uma impaciência;

3º Encontra-se tentado a irar-se? Pelo amor a Jesus, seja manso. De vingar-se? Devolva bem por mal. Diz-se que o segredo de chegar ao coração de Santa Teresa, era fazer-lhe algum mal. De mostrar a alguém uma cara má? Sorria com bondade. De evitar seu encontro? Busque-o por virtude. De falar mal dele? Fale bem. De falar-lhe com dureza? Fale doce e cordialmente;

4º Ame fazer o elogio de seus irmãos, sobretudo daqueles a quem sua inveja se dirige mais naturalmente;

5º Não diga acuidades em detrimento da caridade;

6º Se alguém se permite em sua presença palavras pouco convenientes, ou mantém conversações próprias para danificar a reputação do próximo, poderá às vezes repreender com doçura a quem fala, mas mais freqüentemente será melhor distanciar habilmente a conversação ou manifestar por um gesto de descontentamento ou de desatenção querida que o que se está dizendo o desagrada;

7º Quando lhe custe fazer um favor, ofereça-se a fazê-lo: terá duplo mérito;

8º Tenha horror de apresentar-se diante de si mesmo ou dos demais como uma vítima. Longe de exagerar suas cargas, esforce-se em encontrá-las leves. O são em realidade muito mais freqüentemente do que parece, e o seriam sempre se tivesse um pouco mais de virtude.


Conclusão


Em geral, saiba negar à natureza o que pede sem necessidade.
Saiba fazer-lhe dar o que ela nega sem razão. Seus progressos na virtude, disse o autor da Imitação de Cristo, serão proporcionais à violência que saiba fazer-se.

Dizia o santo Bispo de Genebra: “Há que morrer afim de que Deus viva em nós: porque é impossível chegar à união da alma com Deus por outro caminho que pela mortificação. Estas palavras: Há que morrer! são duras, mas serão seguidas de uma grande doçura, porque não se morre a si mesmo senão para unir-se a Deus por esta morte”.

Quisera Deus que pudéssemos aplicar-nos com pleno direito as seguintes palavras de São Paulo: “Em todas as coisas sofremos a tribulação... Trazemos sempre em nosso corpo a morte de Jesus, afim de que a vida de Jesus se manifeste também em nossos corpos” (2 Cor. 4, 10).


Fonte: http://www.derradeirasgracas.com/2.%20Segunda%20P%C3%A1gina/Document%C3%A1rtio%20da%20Igreja/O%20Jejum%20e%20a%20Abstin%C3%AAncia.htm

A Loucura do Carnaval


Salve Maria! Sede da Sabedoria!



De novo, acontece mais uma edição de carnaval: ano 2013. Evento de intenso torpor em toda nação. Em que a glutonaria e a exacerbação dos sentidos protagonizam o que se tem de pior nas pessoas, rebaixando-as ao nível de animais irracionais. As considerações adiante são uma tentativa de compaixão a beleza que é vilipendiada nesses dias de tanta inconsequência.

No celebre sermão da montanha é-nos dito os puros verão a Deus. Sob essa premissa, temos o requisito de admirar-se com o dom da beleza. O que é a beleza? É o resplendor da forma no objeto. Em palavras simples: é o sol cumprindo a função de iluminar e aquecer. O homem cumprindo sua função de se assemelhar ao Filho de Deus humanado.

Bem, o que acontece nessa louca festa de grotesca deformação: os instintos são estimulados ao grau das bestas quadradas. Cantos lascivos, danças eróticas, os apetites sexuais mais indigitáveis são cogitados e, terror!, postos em prática. A juventude sendo bombardeada com imundícies; num frenesi de vícios em ritmos infernais.   

O Brasil foi alcunhado o país do carnaval. E é, qualquer barbaridade moral vinga nessas bandas. Toca-se nas ruas um treco chamado funk; as letras são imorais: incita ao sexo e a dança simula coisas absurdas com o corpo. O som às alturas, sem que se haja vergonha alguma. Lastimável! O obscurecimento da vocação humana; é o horror da forma no objeto.

Jesus Cristo é pois massacrado nesses dias, sabe-se que todo pecado O crucifica mais uma vez, é como desprezar sua bondade, repudiar a boa notícia de que devemos ser belos, e quando afrontamos essa mensagem pecamos – todos nós miseravelmente caímos em pecado – em vendo-nos tristes e contritos, o Senhor nos acolhe: “és o meu Filho, eu te formei, jamais abandono a obra de minhas mãos”. E veste-nos de novo como filhos e filhas em uma festa maravilhosa.

Rezemos pelos carnavalescos. A exemplo do Nosso Rei e Senhor extraiamos algum pretexto para perdoar os atos malévolos desse evento: alegando que eles não sabem o que estão a fazer. Quando tudo tiver escuro, o mau reivindicar triunfo final, então espere-se num entreabrir de olhos a suma-beleza fazer submergir essa feúra tétrica. Por que o mau foi ridicularizado na cruz, essa a nossa inarredável esperança.

Enfim, que para muitas almas expostas a depravação do carnaval, o preciosíssimo sangue não tenha sido em vão, e a divina ira não se abata ainda sobre esse mundo caduco.

Sacratíssimos Corações de Jesus e Maria, tende piedade de nós.

Fabricio Bastos, J.M.J.

Milagres e Suas Atribuições


Salve Maria! Sede da Sabedoria!


O dom dos milagres: como são e de que forma se dar essa intervenção de Deus na natureza visível. Primeiramente, importa distinguir a natureza visível da natureza invisível. De como a concepção desses dois conceitos tem relevância para aderir à beleza dos milagres. Uso-me desse expediente sob o amparo do autor C. S. Lewis e do discernimento de São Gregório Magno na atribuição dos dons carismáticos. Submisso a ortodoxia da Santa Madre Igreja e disposto a ceder adiante a qualquer juízo particular que soe desarrazoado.

Natureza e Supra-Natureza. Natureza são todas as coisas perceptiveis aos cinco sentidos: as rochas, o mar, o vento e o sol; as criaturas palpáveis. Que são apreendidas pela inteligência humana através do mundo material. A humanidade é a única criatura contida de natureza material, e que, intelectiva as coisas que são criadas.

Antes de prosseguir, detenhamo-nos a uma primeira espécie de "milagre": a criação. Este é um milagre relegado ao mero acaso da natureza, pela má ciência, elaboram-se conceitos enormes sobre os efeitos daquilo criado; mas titubeiam quando se defrontam com a causa primeira da natureza material. Por isso cito-o neste parágrafo, para que se enraize a idéia do Criador. Do milagre de tirar do nada o imenso universo, num tecido de perfeita ordem e sabedoria.

A Supra-Natureza é o mundo invísivel, que é mais fascinante, pois nos dar a posse da imortalidade. A fé é uma das lunetas para apreender as criaturas desse mundo: são elas os nove coros dos anjos (criaturas mais inteligentes que os homens, mas sem o corpo material), o céu a morada aos homens e mulheres que alvejaram suas vestes no sangue do cordeiro, assim como, o purgatório para os tíbios, e o inferno para os que se fizeram inimigos de Deus e das criaturas tiradas do amor ao Verbo Encarnado.

Certo, a fé é um dom perfeito para posse do mundo invísivel, temos também outro dom perfeito, a razão. Clareadora da Revelação Divina, tateia-se no mundo dos sentidos por duas "provas": a verdade e a moral. Temos impresso n'alma o sentido do que é certo ou errado, ou seja, a repulsa pelo que agride a razão, a satisfação em encontrar a verdade das coisas. De igual modo sentimos tristeza ou alegria na prática da justiça e da caridade nas nossas ações. Conclui-se que temos uma alma (que não a vemos mas sabemos), temos a expectativa de um juízo, e a segurança de possuir a verdade como prêmio eterno por tê-la encontrado.

Os milagres são por definição interferências do mundo Supra-Natural na Natureza material. São por excelência grandes excessões. Senão viveríamos num mundo absurdo (pois ainda não se manifestou àquilo para que fomos criados). Os milagres que envolvem a alteração do curso natural são os mais chamativos, por exemplo: a transformação da água em vinho, o andar sobre as águas, a cura inexplicável de uma doença irreversível, a multiplicação dos pães, o santo sudário, o manto de guadalupe, e dentre tantos outros, são eles chamativos mas apenas a porta de entrada.

Por quê? É em Jesus Cristo que o Milagre encontra todo sentido de ser. 1. Deus se reveste da humana criatura. 2. A encarnação no seio de uma Virgem Mulher. 3. O nascimento incólume a virgindade de sua Mãe. 4. A sujeição à morte, e morte infame na cruz. 5. A ressureição dos mortos. 6. A nova criação num corpo não suscepítivel a corrupção. 7. A ascensão ao céu em corpo e alma. 8. A nova humanidade inaugurada pelo mistério pascoal.

Chegamos ao clímax da utilidade dos milagres: o ser humano desembaraçado da perecibilidade. É um dom de Deus, uma extensão do amor criador, a adoção da humanidade em filhos e filhas, pelos méritos da vinda de Nosso Senhor Jesus. Espera-se com grande expectativa a sua segunda vinda, então à alma e o corpo não mais contrariarão um ao outro, exceto aos filhos da perdição em espetáculo à justiça divina no fogo inextinguível.

Nestes termos é que se dar o dom dos milagres. Não é uma mágica: é Deus ratificando que as leis estão sob seu crivo. Não é ilusionismo protestante: só os santos convencem a Deus. Não é obscurantismo: o Pai pode sim tirar do infinito algo a vir à luz.

Em tempos de crise da fé, necessário é nos resguardar do erro. O mundo jaz cada dia mais desértico, alguns santos previram um tempo de esfriamento dos dons, com inclusive o cessamento dos milagres. Para a nossa diretriz coloco a exortação de São Gregório Magno, sob como usar os dons num mundo paganizado:

***

“Eis os sinais que acompanharão aqueles que terão acreditado: em meu nome, eles expulsarão os demônios, eles falarão em línguas novas, eles pegarão em serpentes, e se tiverem bebido algum veneno mortal, ele não lhes fará nenhum mal. Eles imporão suas mãos aos doentes e estes serão curados” (São Marcos, XVI,16).

Será que, meus caros irmãos, pelo fato de que vós não fazeis nenhum destes milagres, é sinal de que vós não tendes nenhuma fé?

Estes sinais foram necessários no começo da Igreja. Para que a Fé crescesse, era preciso nutri-la com milagres. Também nós, quando nós plantamos árvores, nós as regamos até que as vemos bem implantadas na terra. Uma vez que elas se enraizaram, cessamos de regá-las.

Eis porque São Paulo dizia: ”O dom das línguas é um milagre não para os fiéis, mas para os infiéis” (I Cor, XIV,22).

Sobre esses sinais e esses poderes, temos nós que fazer observações mais precisas?

A Santa Igreja, faz todo dia, espiritualmente, o que ela realizava então nos corpos, por meio dos Apóstolos. Porque, quando os seus padres, pela graça do exorcismo, impõem as mãos sobre os que crêem, e proibem aos espíritos malignos de habitar sua alma, faz outra coisa que expulsar os demônios?

Todos esses fiéis que abandonam o linguajar mundano de sua vida passada, cantam os santos mistérios, proclamam com todas as suas forças os louvores e o poder de seu Criador, fazem eles outra coisa que falar em línguas novas?

Aqueles que, por sua exortação ao bem, extraem do coração dos outros a maldade, agarram serpentes.

Os que ouvem maus conselhos sem, de modo algum, se deixar arrastar por eles a agir mal, bebem uma bebida mortal, sem que ela lhes faça mal algum.

Aqueles que todas a vezes que vêem seu próximo enfraquecer, para fazer o bem, e o ajudam com tudo o que podem, fortificam, pelo exemplo de suas ações, aqueles cuja vida vacila, que fazem eles senão impor suas mãos aos doentes, a fim de que recobrem a saúde?

Estes milagres são tanto maiores pelo fato de serem espirituais, são tanto maiores porque repõem de pé, não os corpos, mas as almas.

Também vós, irmãos caríssimos, realizais, com a ajuda de Deus, tais milagres, vós os realizais, se quiserdes.

Pelos milagres exteriores não se pode obter a vida. Esses milagres corporais, por vezes, manifestam a santidade. Eles não criam a santidade.

Os milagres espirituais agem na alma. Eles não manifestam uma vida virtuosa. Eles fazem vida virtuosa.

Também os maus podem realizar aqueles milagres materiais. Mas os milagres espirituais só os bons podem fazê-los.

É por isso que a Verdade diz, de certas pessoas:

“Muitos me dirão, naquele dia: “Senhor, Senhor, não foi em teu nome que nós profetizamos, que nós expulsamos os demônios e que realizamos muitos prodígios? E Eu lhes direi: ”Eu não vos conheço. Afastai-vos de Mim, vós que fazeis o mal” (São mateus VII, 22-23).

Não desejeis, ó irmãos caríssimos, fazer os milagres que podem ser comuns também aos réprobos, mas desejai esses milagres da caridade e do amor fraterno dos quais acabamos de falar: eles são tanto mais seguros pelo fato de que são escondidos, e porque acharão, junto a Deus, uma recompensa tanto mais bela quanto eles dão menor glória diante dos homens”

(São Gregório Magno, Papa, Sermões sobre o Evangelho, Livro II, Les éditions du Cerf, Paris, 2008, volume II, pp. 205 a 209)."

Recomendem-me em vossas orações, a Virgem Santíssima faça de vós aptos para a nova criação.

Fabricio Bastos, J.M.J.