Três VIAS
Pe. Júlio Maria Lombaerde
CONCORDÂNCIA DE DOUTRINAS
Três grandes idéias dominam a espiritualidade de hoje: a de Santa Teresinha, a de Santa Margarida Maria e a de São Luís Maria Grignion de Montfort. O espírito de cada um destes santos é, respectivamente: O abandono filial, A união amorosa, A dependência total.
Santa Teresinha insiste sobre o abandono filial e põe em relevo a bondade de Nosso Senhor. Esta é a base de sua santa infância. Santa Margarida Maria concentra-se sobre a união amorosa com o Coração de Jesus e faz sobressair o amor infinito que este divino Coração tem aos homens.
São Luís Maria Grignion de Montfort salienta a nossa total dependência de Jesus e Maria, e o reino do Salvador nas almas.
I. Aparente contradição
À primeira vista, parece haver contradição ou pelo menos, separação, entre a doutrina destes santos. Tal separação, porém, não existe. E até reina entre os ensinos deles a mais completa harmonia e a unidade mais perfeita. O que há é diferença de expressão, segundo a finalidade, que cada ensino tem em mira.
Santa Teresinha é a apóstola da bondade de Jesus.
Santa Margarida Maria é a pioneira do amor desprezado do Coração de Jesus.
São Luís Maria Grignion de Montfort é o soldado do reino de Jesus por Maria.
Para realização de seu ideal, cada um dos três exige das almas piedosas o que constitui a base de toda santidade: a humildade perfeita.
Ora, há três modos de praticar a humildade:
1. Entregando-se, com abandono total, à pessoa, que manda;
2. Ficando em união de vontade com quem manda;
3. Permanecendo na dependência completa de quem manda.
Abandono, união e dependência, são manifestações de uma só virtude: a humildade.
O abandono é mais filial e mais suave, A união é mais amorosa e mais íntima, A dependência é mais radical e mais humilde.Santa Teresinha escolheu o abandono de si mesma, enquanto Santa Margarida adotou a união amorosa e São Luís Maria Grignion de Montfort recomendou a dependência.
O abandono de si constitui a via da santa infância.
A união realiza o espírito de reparação e expiação.
A dependência concretiza a Santa Escravidão.
São os métodos dos três santos.
II. Método de Santa Teresinha
A humildade de coração forma a base da infância espiritual promulgada por Santa Teresinha.
Pode-se de fato distinguir: humildade de espírito, humildade de vontade e humildade de coração.
A santinha escolheu a humildade de coração, para patentear que sua humildade não é simplesmente o estado da alma, que vê que nada é e nada pode, mas ainda o estado de amor a esta nulidade.
Averiguar que nada somos é o primeiro passo; amar esta condição é o segundo.
Aceitar uma humilhação com calma é a humildade de espírito.
Procurar aquilo que humilha é a humildade de vontade.
Amar a humilhação e nela comprazer-se, – eis a humildade de coração.
“Ser pequeno” – diz a amável santinha – é não atribuir a si mesmo as virtudes praticadas, nem reputar-se capaz de qualquer coisa; é, sim, reconhecer que é o bom Deus, que põe nas mãos de seus filhinhos o tesouro da virtude, de que Ele se serve quando precisa, porquanto a virtude permanece sempre tesouro de Deus. O que agrada a Jesus em minha pequenina alma é ver que amo a minha pequenez e minha pobreza, é a cega esperança que tenho em sua misericórdia”.
Estas palavras resumem toda a espiritualidade de Teresinha. Não somente ela se julga pequena, fraca e inconstante, mas ama esta pequenez, compraz-se nela e nela acha a sua riqueza.
Continua Santa Teresinha: “Para sermos humildes, é preciso que consintamos alegremente em tudo o que os outros nos mandam. Quando alguém vos pedir um serviço, considerai-vos um pequeno escravo, a quem todos possam dar ordens”.É o caminho do santo abandono nas mãos de Deus. Consiste em considerar Deus como pai carinhoso e aceitar com amor tudo o que Ele nos manda.
A santinha de Lisieux deu a esta prática o nome de infância espiritual.
Veremos depois como esta convicção e amor da própria pequenez redunda no que São Luís Maria Grignion de Montfort chama Santa Escravidão.
III. O método de Santa Margarida
Santa Margarida, cujas revelações foram o mais belo e completo código da santidade, trilhara o mesmo caminho e ensinara a mesma prática de Santa Teresinha. Deu-lhe apenas um nome diferente, por tê-la considerado sob outro prisma.Santa Teresinha concentra-se na união com Jesus sob o nome de dependência filial, e termina na prática da Santa Escravidão.A vidente de Paray-le-Monial exalta a mesma união sob a forma de união amorosa; e termina, como Santa Teresinha, na Santa Escravidão.
Na primeira e solene aparição do Coração de Jesus – 1674 – o divino Salvador disse à Santa: “Até então tomaste o nome de escrava; de agora em diante te dou o nome de discípula querida de meu coração”.
Mais tarde Jesus lhe disse – 1688 – : “Enfim és inteiramente minha, vives para mim, vives para fazer tudo o que eu desejar, filha minha, como minha esposa, minha escrava, minha vítima, dependente em tudo do meu coração”.E é por isso que, em suas cartas, na narração de sua vida e em várias de suas consagrações, a santa se declara escrava do Coração de Jesus. Deseja ela com este título, exprimir a sua submissão total ao Coração de Nosso Senhor e aos deveres impostos por esta devoção.
Escreve alhures: – “Quero fazer consistir toda a minha glória em viver e morrer na qualidade de vossa escrava”.No retiro de 1672, inspirada pelo Sagrado Coração, escreveu em suas resoluções o seguinte:
“Eu, ínfima e miserável criatura, protesto, diante de Deus, submeter-me e sacrificar-me em tudo o que Ele pedir de mim, imolando o meu coração no cumprimento de sua vontade, sem reserva de outro interesse que sua maior glória e seu puro amor, ao qual consagro e entrego todo o meu ser e todos os meus movimentos. Pertenço para sempre ao meu bem-amado, como sua escrava, sua serva e sua criatura”.
Vê-se, claramente, através destes sentimentos e expressões da santa, que o título de escravo não é uma novidade na vida espiritual; é, sim, para ela a expressão adequada de sua completa entrega a Jesus Cristo.
Margarida Maria, que muito bem soube interpretar os desejos do Coração de Jesus, não ignorava, por certo, as suaves intimidades da infância espiritual. Mas compreendia também que entre os dois termos escravidão e confiança não havia nenhuma incompatibilidade, e, mais perfeita harmonia de doutrina e de prática.
IV. A Santa Escravidão
Ensina-nos São Luís Maria Grignion de Montfort as virtudes, obras a praticar e as disposições de que devemos nos revestir, para alcançar esta Santa Escravidão ou dependência completa de Jesus por Maria ou de Maria por Jesus.Por ora não vamos insistir sobre estes pontos, pois serão longamente desenvolvidos no correr do livro. Mostremos apenas a união de espírito entre Jesus e Maria; sem isto não poderemos compreender os termos que Montfort emprega.
São Francisco de Sales diz a respeito:
“A Virgem Santíssima tinha uma só vida com seu divino Filho. Jesus e Maria eram, de certo, duas pessoas, mas tinham um só coração, uma só alma, um mesmo espírito, uma vida idêntica”.
Se o Apóstolo pôde dizer que a sua vida era a vida de Cristo, com mais razão podia dizer a Santíssima Virgem que a “sua vida era a vida de Jesus”.
Ora, sendo assim tão unidos Jesus e Maria, a ponto de terem uma só vida, podemos, logo, chamar-nos, indiferentemente: escravos de Maria ou escravos de Jesus.
Montfort insiste muito sobre este ponto. Repete, a cada passo, que há a mais íntima união entre Jesus e Maria. Tão intimamente são unidos, que um se acha inteiramente no outro.
Jesus está inteiramente em Maria. Maria Santíssima está inteiramente em Jesus.
Ou, antes, ela não é mais ela, mas Jesus é tudo nela; a tal ponto que diz ser mais fácil separar a luz do sol do que separar Maria de Jesus. Maria Santíssima torna-se, deste modo, um caminho fácil para irmos a Jesus. E isto porque um caminho preparado pelo próprio Deus; caminho pelo qual Jesus Cristo veio até nós e onde não há estorvo ou obstáculo.
“Daí resulta, – continua Montfort – que a devoção que mais intimamente nos une a Maria pode ser considerada como o caminho fácil, curto, perfeito, para conduzir à união divina, na qual consiste a perfeição cristã... Além disso, este caminho é muito fácil por causa da plenitude da graça e da unção do Espírito Santo de que está repleto”. “Neste caminho – completa o Santo – não há nem lodo nem poeira, nem a menor mancha de pecado, pois a Virgem Imaculada é a mais perfeita e a mais santa das criaturas, de modo que Jesus Cristo chegou perfeitamente até nós, sem tomar outro caminho em sua grande e admirável viagem do céu à terra”.“Maria é um caminho seguro, porque seu ofício próprio é conduzir-nos a Jesus Cristo; como o ofício próprio de Jesus Cristo é conduzir-nos ao Pai Eterno”.
“Não há, pois, e nunca haverá, criatura que nos ajude mais eficazmente do que Maria, para chegarmos à união com Deus; e isto tanto pelas graças que nos comunica para esse fim, quanto pelo afastamento de toda ilusão e de todo erro de que ela nos preserva”.
V. Comparação entre os métodos
As idéias de Santa Teresinha e de Santa Margarida Maria concretizam-se admiravelmente na Santa Escravidão, ensinada por Montfort.
Já dissemos, precedentemente, que estes santos têm a mesma concepção da vida de intimidade com Jesus e Maria.A união amorosa e a dependência ou infância espiritual reúnem-se e formam o abandono total ou Santa Escravidão. Este novo modo de dizer significa algo de mais humilde ainda que a expressão de Santa Teresinha e Santa Margarida Maria.Há, de fato, duas criaturas neste mundo que vivem sob o poder de outrem: a criança e o escravo.A criança nada pode. Tudo recebe dos pais. É a impotência radical.
O escravo não se pertence. É um bem do senhor que o possui.
Santa Teresinha queria ser pequenina, como uma criancinha, para atrair o olhar de Jesus.
Santa Margarida queria ser pequenina, para poder perder-se no Coração amoroso de Jesus.
Montfort queria ser pequeno, como um escravo, para ser propriedade de Jesus.
Todos três querem pertencer a Jesus, unir-se a Ele, viver d’Ele e n’Ele; e, para se elevarem, ou, melhor, serem elevados a estas alturas, procuram abaixar-se, humilhar-se, ser um nada, um pequeno escravo de amor! Na base, estão de acordo os três. Somente escolheu cada um, para exprimir a mesma verdade, o termo próprio, que combina melhor com seu espírito e com a graça particular recebida de Deus.
Santa Teresinha é a meiguice da criança, Santa Margarida Maria é a chama da estática. São Luís Maria de Montfort é o zelo do conquistador.
O primeiro caminho é a infância espiritual de Santa Teresinha. O segundo, é a imolação amorosa de Santa Margarida. O terceiro, é o zelo apostólico de Montfort.
São três chamas, proveniente de um único amor – o amor de Jesus considerado como Pai, como Rei, como Senhor.Aqui a espiritualidade de Montfort toma a sua feição particular, o seu cunho próprio, a sua base mariana.Santa Teresinha é apóstola da bondade de Jesus; Santa Margarida é apóstola do Sagrado Coração de Jesus; Montfort é apóstolo de Maria Santíssima.
Do lado doutrinal, os três ensinam a mesma doutrina da humildade.
Do lado devocional, eles se dividem: Santa Teresinha preconiza o seu caminho da santa infância e a devoção ao Menino Jesus, ao passo que Santa Margarida penetra no Coração de Jesus, e dedica-se a esta devoção consoladora; Montfort nos revela o seu segredo da Verdadeira Devoção, e concentra-se sobre a devoção a Maria Santíssima como Rainha dos corações.
Para Montfort a virtude básica é também a humildade, expressa pelo termo escravo. A devoção é à Virgem Santa, como Soberana dos corações. E o fim de tudo é Jesus Cristo; donde as expressões empregadas indiferentemente pelo Santo: escravidão de Jesus em Maria e escravidão de Maria em Jesus.
VI. O Segredo de Maria
Montfort apresenta a Santa Escravidão como um segredo. Esta palavra excita curiosidade. E não há leitor do livro da Verdadeira Devoção que não o procure logo descobrir.
O segredo, porém, não consiste na teoria, e sim na prática desta devoção.
A prática consiste em entregar-se inteiramente, na qualidade de escravo a Maria e, por Ela, a Jesus, e em procurar fazer todas a ações com Maria, em Maria, por Maria e, para Maria, no intuito de faze-las mais perfeitamente com Jesus, em Jesus, por Jesus e para Jesus.
Compôs o santo uma fórmula de Consagração. É a parte exterior. A parte interior não é mais que a aplicação constante a viver como um escravo, dependente em tudo da vontade de Maria Santíssima.
O segredo está, pois, nesta nossa dependência amorosa, filial e humilde da Virgem Santíssima.
É uma espécie de presença de Maria, semelhante à presença de Deus.
Tal presença não é esforço de imaginação ou de vontade, mas, sim, uma certa atenção de espírito em procurar ocasiões de fazer algum sacrifício por amor da Santíssima Virgem.
É, por outra, vivermos espreitando as ocasiões favoráveis de praticar a virtude.
Tal disposição nos conserva num estado de dependência total, num abandono completo à vontade de Maria. E, destarte, tudo aceitamos d’Ela, para Ela nos volvemos constantemente para vermos sua mão em tudo, e procurando em tudo, conformar-nos a seu alvitre.
É aqui que está o segredo. Consagrar-se à Virgem Santa como escravo é um ato passageiro que qualquer um pode fazer. E, de fato, muitos o fazem, sem depois aplicar-se a viver esta Consagração.
Viver esta Consagração – este é o segredo. E a medida que tal vida se desenvolver em nós, o segredo descobrir-se-á mais e mais, até que o possuamos completamente.
Deste modo, a Santa Escravidão de Montfort não é simplesmente uma devoção; é mais que isso: um método eficaz de santificação.
A devoção é por muitos conhecida e praticada. O método de santificação porém o é muito pouco. Entretanto, os dois devem dar-se as mãos, devem ser ambos praticados para produzir o que devem – a santidade, como teremos ocasião de averiguar mais adiante.
VII. A Devoção mais Perfeita
Qual é a devoção mais perfeita, ou o método mais prático dos três acima citados? A resposta é difícil, porque a superioridade de um método, d’uma devoção, não é somente objetiva, mas, também subjetiva, isto é, não depende só do valor intrínseco da devoção, mas também da disposição pessoal de quem pretende adotá-la.
Pode-se pôr um princípio, nesta maioria; é o seguinte: que uma devoção é também mais perfeita, quanto mais intimamente nos une a Jesus Cristo.
Ter uma confiança ilimitada em Nossa Senhora, dar-se a ela, numa expansão de amor ardente, como Santa Teresinha, é sublime, é divinamente belo...
Penetrar no Coração de Jesus, e ali consumir-se nas chamas de seu imenso amor, como Santa Margarida Maria, é docemente extático...
Mas, entregar-se nas mãos de Jesus e Maria, como escravo, não simplesmente para amar e ser amado, mas para trabalhar, lutar e sofrer para Aquele e Aquela que amamos, como ensina Montfort, – eis o que é simplesmente heróico! É imitar o divino Salvador, que por amor de nós se entregou a si mesmo como oblação. Para bem acentuar esta dependência total, que constitui o espírito de sua devoção, São Luís Grignion de Montfort faz distinção entre escravo e servo.
Um servo ou criado dá apenas uma parte de seu tempo e de seu trabalho, recebendo em retribuição um salário combinado, que lhe é devido em justiça. O escravo, porém, vive e trabalha para o senhor sem ter direito a remuneração alguma. Sua dependência é absoluta, para sempre, sem direitos nem concessões, a não ser no que espontaneamente lhe é permitido pelo amo.
É a imitação de Jesus Cristo, de quem São Paulo disse: “Aniquilou- se a si mesmo, tomando a forma de um escravo”.Sob este ponto de vista, podemos pois dizer, que a santa escravidão encerra tudo o que as outras devoções têm de mais elevado.
E, como é impossível alguém rebaixar-se mais do que se tornando escravo, é também impossível que se eleve mais alto na generosidade para com Deus, consoante a palavra do divino Mestre: “Aquele que se humilhar será exaltado” – Lc 4, 11.
(Segredo da Verdadeira devoção a Santíssima Virgem, pe. Julio Maria Lombaerde)
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